Segue uma matéria interessante que encontrei:
Por Marcela Mattos
Fonte: Revista Ouse, ed.7
O que diz respeito ao corpo da mulher e à sua vida, hoje, é muito mais do que uma discussão política, quando não, de polícia. Em dezembro de 2009, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos. Em sua primeira versão, entre outras questões, o programa previa a revisão legal do aborto e a manutenção das ações a rmativas. Mudanças no quadro do Congresso e a conjuntura barraram os avanços da proposta do Projeto de Lei proposto por uma comissão coordenada pela Secretaria Especial de Políticas Públicas para Mulheres. “Temos uma bancada que se autointitula a bancada pela vida, que faz demonstrações no âmbito do Congresso Nacional de fundamentalismo religioso”, explicou, em entrevista à Revista do Brasil, a ministra Nilcéia Freire, à frente da Secretaria desde 2004.
Saúde e Justiça
No Brasil, enquanto alguns defendem a legalização, outros condenam a prática do aborto como um assassinato. De um lado, a igreja católica e outras organizações religiosas consideram a prática do aborto inaceitável, sob a justi ficativa de que a vida começa na concepção. Do outro lado, as feministas, com apoio de diversos movimentos sociais, lutam pela legalização com base na segurança da vida das mulheres. Os dados são alarmantes! Segundo o Ministério da Saúde, são realizados mais de 1 milhão de abortos clandestinos por ano no Brasil, que acarretam cerca de 250 mil internações na rede pública de saúde – sendo esta a quarta causa de mortalidade materna no País. De acordo com estudo da Federação Internacional de Planejamento Familiar, no mundo são 70 mil mortes por ano em decorrência de complicações de abortos, sendo que nenhuma destas mortes ocorreu em países onde o procedimento é legalizado.
Segundo a pesquisa “A mulher brasileira nos espaços público e privado”, realizada pela Fundação Perseu Abramo, em 2001, um terço das mulheres que tiveram relações sexuais já tiveram alguma gravidez interrompida. São mais de 2.740 abortos inseguros por dia. Em 2008, uma pesquisa realizada pela OnG Ipas, em parceria com o Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, apontou que o risco de morte por aborto inseguro é 2,5 vezes maior entre as mulheres negras.
Os números demonstram que o aborto é realidade concreta no País e direcionam a discussão para a saúde. “O aborto é uma questão de saúde pública. As mulheres não devem pagar esta conta, sobretudo as mulheres pobres, que acabam pagando com suas próprias vidas”, declara Nilcéia Freire, que tem o apoio do ministro José Gomes Temporão, da Saúde, nessa posição. Ficam evidentes as diferenças socioeconômicas, culturais e regionais diante da mesma prática ilegal. Por um lado, mulheres com melhores condições de vida têm acesso a clínicas com todo o aparato necessário para a realização da intervenção. Por outro, mulheres com menos condições – a maioria da população – recorrem a métodos inseguros, resultando em riscos maiores à saúde e, principalmente, à vida.
No ano passado, cerca de 10 mil mulheres corriam o risco de ser processadas no Mato Grosso do Sul, depois que uma clínica de aborto foi estourada pela polícia. Em março desse ano, a polícia também fechou uma clínica de aborto no Rio de Janeiro. Além do proprietário, do médico e de quatro funcionárias, a polícia prendeu quatro mulheres que haviam sido submetidas ao aborto e ainda se recuperavam na clínica.
Remando contra a maré
Atualmente, 54 países – entre Bélgica, Alemanha, Inglaterra, etc. – já garantem o aborto legal e seguro. Vale ressaltar que nesses países, de acordo com registros da ONU, os índices de desenvolvimento humano são mais altos. Em contrapartida, a Women On Waves (WOW) vem garantindo o acesso ao aborto legal e seguro em países onde a lei não o permite. Trata-se de uma organização holandesa sem fins lucrativos que, de acordo com suas lideranças, tem como missão a prevenção da gravidez indesejada e dos abortos inseguros em todo o mundo. A organização possui um navio, que atraca no mar de diversos países, onde fornecem contraceptivos, informação, formação, workshops e abortos seguros e legais fora das águas territoriais de países onde o aborto é ilegal. Mais informações em: www.womenonwaves.org.
Respostas de quem viveu esse drama
MARIA DAS DORES*, 84 ANOS
“Tive uma adolescência cheia de humilhações. Aos 22 anos fiquei grávida, vítima de um estupro. Hoje, essa filha tem 62 anos. Aos 25 anos encontrei meu companheiro para toda a vida. Ele registrou minha lha, que nunca soube que não é lha legítima dele. Com 27 anos fiquei grávida, mas a situação nanceira estava muito difícil e resolvemos abortar. Meu companheiro fez meu aborto em casa, com ajuda de agulhas de tricô. No dia seguinte, tive hemorragia muito forte e fui levada para o hospital mais próximo, onde tudo era pago. Lembro que o médico falou que o tratamento só seria bem-sucedido com transfusão sanguínea e é claro que só continuaria o tratamento se alguém se responsabilizasse pelo pagamento. Nessa hora percebi que minha vida estava nas mãos deles. Meu marido assumiu a dívida. Ainda assim, meu estado continuou grave e uma nova transfusão deveria ser feita. O médico perguntou: posso prosseguir? (indagando se haveria dinheiro para pagar mais uma transfusão). O tratamento foi feito e a conta do hospital foi paga em prestação, com di ficuldades. Atualmente, tenho 3 filhos criados e felizes. Hoje, mais de 50 anos depois, a mulher ainda sofre situações deste tipo. Isso precisa ser revisto”.
MARIA APARECIDA*, 25 ANOS
“Há quase 10 anos conheci um homem que se tornou meu namorado por quatro anos. Acabamos o namoro, mas no final do ano passado nos reencontramos e nos reaproximamos. Fiz o teste de gravidez sozinha, no aeroporto, dois dias antes do Natal. Fiquei grávida! A pílula do dia seguinte não funcionou. O desespero tomou conta de mim. Liguei para o ‘pai’ e o desespero se tornou mútuo. De imediato, falei que não queria. A decisão foi minha. Ele respirou aliviado. Após pesquisas na Internet, acabamos conseguindo com um conhecido o contato de uma pessoa que vendia o medicamento abortivo na cidade. Após duas tentativas, não abortei. Foi neste momento que o meu parceiro encontrou o site da Woman on Waves (WOW). Até achei estranho a venda tão fácil, informações detalhadas, e-mails com dúvidas respondidos no mesmo dia, com excelente escrita em português. Compramos e fizemos a “doação” em euros com cartão de crédito. Porém, na mesma semana, resolvemos que não poderíamos esperar e recorremos ao mercado negro. Depois de muita dor e medo, eu abortei. Estava com seis semanas. Estava muito decidida e consciente e posso dizer que fiquei aliviada, mas tive sorte de nada ter me acontecido.”
MARIA DAS FLORES*, 44 ANOS
“Esta situação para mim foi inusitada, aliás, acredito que para qualquer mulher é sempre uma surpresa, seja numa situação de violência ou quando acontece uma gravidez não planejada. No meu caso, ponderei a questão familiar. Tenho uma família maravilhosa, uma filha linda, adotei um menino ao qual damos toda a instrução necessária. Pensei que a gravidez poderia vir a prejudicar essa harmonia. Após 15 anos de casamento, reencontrei um ex-namorado e acabamos nos envolvendo. Na hora “H” eu falei para ele: “você tem camisinha?” – porque pensei não na questão de gravidez, mas também nas DST’s. Ele falou: “Relaxa que eu não tenho ninguém e depois você toma uma pílula do dia seguinte. Tomei como indicado e, 25 dias depois, descobri que estava grávida. A primeira coisa que fiz foi ligar para ele, que me indicou o aborto. Imediatamente comecei a pensar nas consequências… Con fidenciei-me com uma amiga, que me fez acreditar que as coisas poderiam mudar. Porém, o que senti é que infelizmente, no Brasil, não temos acesso a locais seguros para isso, pois o aborto é considerado crime, mas também não é crime deixar uma mulher à mercê da sorte, sem cuidados médicos, sem assistência?”
MARIA DA GRAÇA*, 28 ANOS
“Quando descobri, meu primeiro pensamento foi: “preciso tirar”. A escolha foi por mim, pensando no que eu estava passando na vida, nas oportunidades de trabalho, na questão nanceira e que não era a hora (como se a gente soubesse qual é a hora, né?). Não havia um parceiro, eu pouco conhecia o “pai”. Me senti mal porque não foi uma coisa simples, de escolher tirar, ir ao médico e acabou. É ilegal, né? Passei um sufoco. Remédios, dor, grana… Não fui a uma clínica, z tudo em casa, mas depois dos remédios houve complicações. Tive de ir ao médico e me internar para fazer curetagem, pois meu corpo não expeliu tudo. Tive sorte de não sofrer discriminação por parte dos médicos, mas já ouvi casos em que meninas não tiveram a mesma sorte. Tive apoio de amigas e isso faz uma grande diferença! Já me peguei pensando… Não foi fácil, a cabeça fica a mil… Será que fiz a coisa certa? Não era a hora de ter um nenê? Podia ter sido diferente, podia estar sendo diferente… Mas aí me distraio, procuro não pensar… Superar é de pessoa pra pessoa!”
E você o que pensa sobre isso?
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